# Uma doença chamada ansiedade #

A primeira história

Em algum momento da vida, ainda bem jovem, jovem antes da gastrite se transformar em úlcera, eu percebi que toda vez que ficava nervosa eu começava a arrotar (bem delícia!). Com o passar do tempo e do estresse, aquele bofo inocente se transformou numa dor de estômago, de certa forma, tolerável. Mais algum tempo e eu passei a evitar qualquer tipo de discussão, de tomar a iniciativa, de me sentar na frente, de ser vista, etc. Fui me anulando aos poucos com uma devoção linda, era uma missão. O que obviamente não resolveu o problema, visto que hoje em dia qualquer mínima coisa me causa uma dor de estômago atordoante. Já poderia ter viajado pra Índia com o dinheiro gasto em ranitidina.

A segunda história

Um dia qualquer num emprego qualquer, planilhas, reuniões, prazos irreais, gente burra me dando ordens... todos os dias, meses e meses. Foi à tarde. Subitamente pensei que fosse desmaiar, a tela deu uma escurecida, mas eu sabia bem o que era. Meu coração subiu rapidamente até a boca e se encontrou com meu estômago, que estava por lá há um tempo. Me levantei e enquanto caminhava até a saída eu senti como se a minha cabeça flutuasse sobre meu corpo. Definitivamente não era meu cérebro que estava fazendo minhas pernas andarem. Já quase sem conseguir respirar, me joguei no meio fio na tentativa de me esconder atrás de um carro. Mas por que eu me esconderia? Eu estava morrendo - pensei. É, eu estava morrendo, mas não literalmente.

Minhas extremidades tremiam violentamente, eu não sentia minhas pernas, meu peito estava sendo esmagado por algum tipo de buraco negro, respiração extremamente ofegante, e meu cérebro, coitado, todo racional... tentando entender o que e porquê. Eu estava com febre, sentia meu corpo sem nenhuma gota de sangue, sem nenhuma gota de algo qualquer que fosse vital para minha existência. E a cada respirada profunda e bastante sofrida, uma mão no peito e outra na cabeça, meus olhos percorriam a rua para se certificar de que ninguém me veria daquela forma. A Larissa, a rainha da calma, sensatez, serenidade e diplomacia, segurando com todas as forças que já nem existiam, um tsunami de lágrimas que jorravam dos olhos por vontade própria. 

E durante os segundos em que sentia aquela sensação de desmaio iminente, meu cérebro disse - chega! Tá louca? Mas que porra é essa agora? - e demais reticências. Ele puxou em alguma enciclopédia dentro da minha cabeça, aquele lance de puxar o ar pelo nariz e soltar pela boca (ou o contrário, nunca sei), e colocou na tela. Respira, levanta, vai ao banheiro lavar essa cara, volta pra sua mesinha e segue o baile. Segui o baile.

A terceira história

Essa inclusive foi ontem, mais conhecido como Natal.
O de sempre, comi muito, ri muito, bebi mais ainda, tudo seguindo o script. Subi pro quarto pra dormir, me deitei, hora sagrada de mexer o celular, tudo certo. Sorrateiramente minhas costas começam a doer, de leve. Pensei - ah, carreguei mesa, caixa de cerveja e os caralhos. Tá normal. Mas não tava. Coisa de um minuto meu pescoço estava travado, eu estava sentada na cama urrando de dor, e enquanto tomava o remédio e recebia uma massagem, fique pensando no porquê que aquela quantidade imensa de cerveja não havia me relaxado. Não é possível! Mas é.

Durante os agradecimentos pela ceia, alguém disse algumas frases que serviram de indireta pra mim. Eu só finjo que não me preocupo com as coisas... nem me lembrava mais das palavras que foram ditas, mas meu corpo não tinha esquecido. Somatizo tudo, e tudo vem de uma só vez na hora de dormir, ou de não dormir.

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A ansiedade não me deixa dormir, nem acordar

Desde de sempre tenho insônia. E quando eu falo desde sempre, eu quero dizer desde que eu me lembro, desde criança, desde sempre. Sempre conheci as rotinas noturnas de todas as casas que já morei na vida. Quantas vezes o vizinho vai ao banheiro, até que horas o outro vizinho geralmente fica jogando Playstation, o horário do despertador da rua inteira, que hora passa o primeiro ônibus, quais dias da semana o vizinho da frente sai pra comprar droga, se as raposas irão vir hoje revirar o lixo ou não dependendo da temperatura, a que hora passa o carro limpando a calçada, etc, etc, etc. É horrível!

Eu não posso fazer barulho, não posso produzir nada, comer nada, falar nada, fazer nada. Nada mais que ficar em silêncio e deitada no escuro, atenta aos sons e jogando qualquer Candy Crush da moda. Mas talvez pior que a insônia, seja o que geralmente vem depois dela, o hipersono. Me lembro de uma vez que fiquei cerca de setenta horas sem dormir. Já no final, me recordo de estar deitada na cama com uma respiração de alguém que está prestes a morrer, fraca e pausada. Lembro de não ter mais apetite, de não ir mais ao banheiro, e nas últimas horas acordada, a gravidade do planeta havia aumentado circunstancialmente. Não conseguia mais andar, passei as últimas horas deitada, imóvel, provavelmente cheia de dores, mas nem sentia mais o corpo.

Finalmente dormi. Acordei cerca de vinte horas depois, muitas dores. Me levantei moribunda, fui ao banheiro, voltei para a cama e dormi mais umas dez ou quinze horas. E quando eu me lembro disso hoje, eu tenho certeza que não perdi "apenas" uma semana da minha vida. Já fiz vários exercícios, tutoriais no YouTube, higiene do sono.. nada disso nunca funcionou, a não ser a boa e velha e forte química. Aquele relaxante muscular, aquele remedinho pra dor de cabeça, aquele outro que serve pra alguma outra coisa, mas tem aquele efeito colateral delícia que é dar sono nas pessoas, e por aí vai.

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A ansiedade não me deixa pensar, nem parar de pensar

O principal motivo da insônia é esse, eu simplesmente não consigo parar de pensar. Mas ninguém consegue, certo? Mas as pessoas "normais" conseguem dormir, certo?! Eu jamais conseguirei explicar através de palavras, com a exatidão necessária, como os meus pensamentos se organizam dentro da minha cabeça. É um caos. É como estar no meio de uma multidão, onde todos estão falando coisas diferentes ao mesmo tempo e eu consigo ouvir e entender cada uma uma dessas milhares de vozes com nitidez. Muito provavelmente por conta disso, eu não consiga fazer várias coisas ao mesmo tempo e perco o foco com facilidade. Tem muita, muita coisa acontecendo a todo segundo aqui dentro e eu definitivamente não consigo organizar isso tudo.

Você não faz ideia do tempo que eu levo para escrever um texto desse tamanho, por exemplo. Cada ponto final é seguido de uma longa pausa para contemplar o nada na tela e o barulho da minha cabeça. É extremamente cansativo e frustrante porque no meio do texto eu já me perdi completamente. Isso serve pra tudo. No emprego daquela história lá em cima, eu precisei comprar bons headphones para conseguir concluir meu trabalho diário, mas mesmo assim, constantemente saía da empresa às dez horas da noite. Das seis às dez era o momento que meu trabalho mais rendia, no silêncio e na falta de distrações.  

Talvez pensar por si só não seja o problema, o problema é que a grande maioria desses pensamentos são terrivelmente ruins. E tudo o que eu faço, desde as minhas atividades do cotidiano, até assistir um filme ou jogar no celular, é na verdade uma tentativa desesperada de simplesmente parar de pensar.

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A ansiedade não me deixa comer, nem parar de comer

Quanto maior a crise, maior a fome. Meu cigarro é o açúcar! Nunca é demais, nunca é doce demais, nunca enjoa. E quando não tem faz muita falta. Muito no nível de contar moedas pra comprar as balas mais baratas na vendinha da esquina. Hoje não mais nesse nível, mas me lembro de épocas em que sentia meu corpo relaxar imediatamente depois de mastigar algum chocolate ou chiclete, dar aquele suspiro de alívio exatamente como o fumante faz.

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A ansiedade não me deixa relaxar

Já falei tantas vezes do meu estômago aqui que ele já se tornou um personagem com vida própria, CPF e conta no banco. Eu simplesmente não consigo relaxar. Meus músculos passam o dia todo esticados e se esticando sozinhos. Para conseguir relaxar meu corpo, eu tenho que conscientemente focar nisso, e dar comandos à mim mesma o tempo todo - relaxa a barriga, arruma a coluna, para de arrancar as pelinhas dos dedos, para de morder a boca, chega de enrolar e arrancar o cabelo, estica as pernas, levanta um pouco... - é horrível. Eu passo o tempo todo me mutilando sem perceber.

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A ansiedade não me deixa sair do quarto

Agora a pouco vi um vídeo bem interessante, e muito provavelmente só estou escrevendo agora por causa dele. O narrador dizia que você assistiu todos os vídeos de autoajuda na internet, todas as palestras do Tony Robbins, leu dezenas de livros sobre determinado assunto, se informou, se empoderou e agora se sente totalmente capaz e preparado para lidar com o mundo de outra forma, absolutamente seguro de si e das coisas todas, um verdadeiro super-homem! E para colocar essa sua nova postura, essa sua nova atitude em prática você só precisa fazer uma última coisa: sair do quarto.

Sair do quarto é, sem dúvida, a parte mais difícil. Porque sair do quarto significa ter que lidar com tudo aquilo que eu não consigo controlar, que está totalmente fora do meu domínio e do meu meticuloso planejamento. Sair do quarto significa, principalmente, ter que lidar com outros seres humanos. Eu bebo bastante justamente para tornar essa parte um pouco mais fácil. É muito provável que eu tenha algum grau de autismo porque a interação, o contato com outras pessoas sempre foi algo muito doloroso. Mas como explicar pro outro essa dor? A minha forma de explicar é simplesmente evitar. Evitar sair do quarto.

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A ansiedade não me deixa morrer, nem viver

Autoexplicativo.





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