Tal de "a teoria do Bis"

Então. Nos tempos modernos ter tempo é uma peça rara de luxo exposta numa daquelas redomas de vidro, cercado por um sistema de alarme de raios infravermelhos, como nos filmes mesmo. Não temos tempo sequer para pensar. E o que seria algo absolutamente natural acaba se tornando um trabalho denso e desagradável, porque pensar, além de doer (por que dói!) se transformou num martírio, por isso ninguém nem tenta. Mas como é linda a evolução tecnológica! Um belo dia um ser humano iluminado pelas forças divinas e farto de ter que disputar o som que seu cérebro fazia com o barulho das dezoito crianças correndo e quebrando as coisas, criou (o que na minha humilde concepção, sem dúvida, está dentro das cinco maiores invenções de todos os tempos) algo que mudaria para sempre a forma como nós refletimos sobre todas as coisas... – o chuveiro!(elétrico, claro.)

É fato sabido por todos que é sempre debaixo do chuveiro que tomamos as maiores decisões e refletimos sobre as coisas mais importantes da vida. Não se sabe ainda ao certo qual é exatamente a relação de uma coisa com a outra. E numa dessas divagações entre sabonetes e shampoos criei, do nada - porque sim, essas coisas simplesmente me vêm do nada mesmo - minha mais nova teoria sobre qualquer coisa. Eu sou dessas que teorizam tudo. Claro, muito mais fácil conseguir permanecer viva num mundo onde as coisas são metodicamente organizadas do que deixar tudo correndo solto por aí. É claro que na prática as coisas não funcionam bem assim, aliás, nunca funcionam. Mas como sou desses animais que precisam se alimentar de ilusões para sobreviver, assim está muito bom, obrigada.

Antes de explicar como tudo funciona eu preciso fazer você entender o que exatamente é um Bis. Bis é uma barrinha de chocolate no estilo wafer que pesa sete gramas apenas, fabricado pela fantástica fábrica de chocolates Lacta - brasileira, com todo orgulho, que existe desde os anos quarenta. Bem, isso é o que você sabe. O que você provavelmente não sabe é que essa coisinha minúscula e aparentemente inofensiva é recheada por algo bem maior que apenas chocolate. É carregada de sentimentos! E de uma forma tão profunda que pode mudar o curso de muitas coisas, você nem imagina o quanto!

- Uau! Mas do que diabos você está falando mesmo?
- Acalme-se e tenha fé.

Pense comigo. Uma das poucas unanimidades da humanidade é o prazer que todos sentem em comer chocolates. Uns mais, outros menos, não importa. Não importa se amargo, com uvas passas, se com menos amendoim, branco, ao leite, recheios exóticos - não importa. É um dos poucos prazeres que podemos dividir e sentir de forma quase uniforme e com várias pessoas ao mesmo tempo. Podem até existir outros nomes pra isso, mas nada se compara aos chocolates. Agora, vamos analisar uma caixa de Bis. São vinte barrinhas de sete gramas de puro prazer. Ok. Mas, uma coisa sobrenatural, alheia às suas vontades, acontece depois que você compra uma coisa dessas. Naturalmente, você se transforma na pessoa mais egoísta e individualista do planeta! Você carrega aquela caixa de Bis como se fosse o maior tesouro do universo e provavelmente daria sua vida por ela.

- Quanta loucura!
- Mantenha sua fé.

Eis então que surge o momento de maior criticidade - alguém - e nesse momento não importa quem - te pede, humildemente, um, apenas um mísero chocolate. É exatamente nesse momento que eu queria chegar. Porque eu descobri que nessa hora podemos chegar a algumas conclusões que podem fazer com você mude totalmente seus conceitos sobre alguém. 

- Quanto exagero.
- Estou quase lá. Não cesse suas orações.

Um Bis possui apenas sete gramas. O que são sete gramas para matar seus desejos? Ou cento e quarenta? Nada. E é exatamente por isso que podemos, sem medo de errar, descobrir o que exatamente alguém sente por você de acordo com a resposta - e as atitudes - dela. Quer ver?


Se forem amigos, ela(e) dirá: sai!  
 
Se forem melhores amigos ela(e) comerá a caixa inteira na sua frente, regozijando-se de prazer e narrando, a cada mordida, que aquele é o melhor chocolate que já comeu em sua vida!


Se for colega de trabalho, você irá abrir a caixa, pegar duas barras e lhe entregar. Depois ficará deprimido.

Se for seu chefe, você irá abrir a caixa e deixar que ele pegue quantos quiser. Depois ficará deprimido.

Se for uma gostosa... bem, não se aplica.

Se for um colega de faculdade você dirá: vai comprar!


Se for alguém que você odeia, fingirá que nem ouviu a pergunta.

Se for uma pessoa muito chata, você jogará um Bis na cara dela.

Se for "lua cheia" ignorará todos os pedidos, seja de quem for. 


Se for sua psicóloga, ela dirá que de esses mecanismos de defesa - a negação e a sublimação - só irão aumentar e reafirmar suas manifestações reativas acerca das suas angústias e do que te ameaça, além de receitar mais uma caixa de Lexotan.

Se for um duende, pare imediatamente. O que você está comendo não é chocolate.

Se ela(e) quer apenas sexo, te dará a caixa inteira e uma garrafa de vinho.

Se estiver na fase da conquista, comprará uma caixa de Bis sabor limão, dirá que é o sabor que mais gosta e não irá esperar que lhe peça, você irá oferecer. E se ela(e) disser que não gosta de limão, você irá tirar a caixa de sabor ao leite de dentro da mochila dizendo: olha, comprei desse também!

Se for paixão, dividirá, cada um comendo o pedaço das mãos do outro. Deixará mais pra ela(e) e se sobrar vai dizer a ela(e) que pode levar a caixa pra casa. 

Se estiver tendo um caso, colocará na boca dela(e).

Se estiverem casados - e apaixonados - invariavelmente ela(e) deixará um Bis e um recadinho bobo em cima da pia do banheiro ou junto às chaves do carro.

Se estiverem casados - sem paixão - esquece. Compre você o Bis.


Se for ex, você ficará pensando nos motivos que a(o) levaram a pedir chocolates a você, no que as outras pessoas pensariam sobre aquilo, na frequência com a qual comiam chocolates quando estavam juntos, em quanto tempo... - você já entendeu. 

Agora, se for amor... ela(e) ficará encantada(o) com a forma como você abre descuidadamente a embalagem, a maneira esquisita com a qual você come e todas essas outras coisas miúdas. O chocolate, o chocolate mesmo, não fará diferença.

Me ocorreu agora o motivo que me fez ter essa epifania. Estava eu, nesse dia em questão, lendo indagações filosóficas sobre sentimentalismos e sobre o amor. E durante o banho me veio uma daquelas questões que desafiam nossa vã filosofia: mas o que é o amor? A coisa mais sensata que pude pensar foi isso. Porque, afinal de contas, quem ama de verdade divide o Bis.


- Acho que entendi agora.
- Homens de pouca fé...
- É só prestar atenção nos sinais!
- Isso mesmo.
- Me dá um Bis?
- NUNCA! Agora saia da minha frente antes que eu te parta a cara!


Sem trocadilhos.

Comentários